VIDA SIMPLES

ABRIL DE 2008 – REVISTA WEBDESIGN Nº52

A crescente velocidade da corrida tecnológica traz novos apetrechos o tempo todo. Do Blackberry à Wikipedia, do CSS ao RSS, muitas das coisas que dizemos e fazemos hoje jamais poderiam ser imaginadas há apenas alguns anos. A motivação expressa por trás de todas elas costuma ser a mesma: tecnologia é qualidade de vida a não há como negar que, por mais que o cotidiano continue a ser estressante, a produtividade e a conveniência são cada vez maiores.
Mas a tecnologia traz em sua bagagem um efeito colateral desagradável, uma mistura de arrogância de especialização com ganância de produtividade. Essa combinação tende a projetar (muitas vezes, escravizar) seus usuários a uma dependência ansiosa por mais informação e mais atividades. Por mais que estejamos na Era da Informação, nossos valores pragmáticos ainda são frutos da Revolução Industrial, do fim da escravidão e da carestia causada por duas guerras mundiais, uma crise do petróleo e eventuais rachaduras no sistema financeiro. Nesse conjunto de valores e eficiência, botões foram feitos para serem apertados e serviços para serem usados. Tê-los à disposição e não lançar mão deles configura desperdício, pecado mortal em tempos de Verdades Inconvenientes.
A mesma tecnologia que torna as coisas mais acessíveis também tende a torná-las mais complexas e confusas. Se você pode controlar o grão de uma foto, o tamanho de letra de um site ou nível de agudos de seu MP3 player, pode achar feio não fazê-lo, e se sentir ansioso ou culpado por isso. O mesmo vale para todo aquele conteúdo que, por mais que interesse, continua armazenado em uma lista de bookmarks, uma pilha de RSS ou mofando no fundo do seu HD.
O problema não é novo, seu avô já guardava recortes de jornal e o Caetano Veloso se lamentava que bancas de revista o enchiam de preguiça. “Quem lê tanta notícia?” era a pergunta que não ousava se calar. Meio século depois, ela poderia ser atualizada para “quem usa tanta coisa?” – e confirmada pela pilha de aparelhos empoeirados que, como a relação de sites e serviços não utilizados, continua a crescer e a alimentar a culpa.
Essa angústia crescente leva as pessoas a, inconscientemente, desejarem a simplicidade. Da mesma forma que pouquíssimos se interessam em saber como funciona um carro, um celular ou uma usina, o excesso de especialização dos produtos e serviços digitais se torna, a cada dia, menos interessante. O esforço simplesmete não compensa.
É fácil entender o sentimento, até porque ele é visível em outras áreas. Fotografia e Culinária são bons exemplos: apesar das noções básicas interessarem a praticamente qualquer um, poucos são os que teriam interesse em mergulhar a fundo no assunto.
Na verdade, as pessoas são simples. E você é uma delas. Sendo simples, tendem a gostar de coisas simples: emoção, diversão, companhia, alegria e, sobretudo, informação. As peças de Shakespeare são imortais por serem simples e tratarem de temas muito simples — traição, paixão, inveja, ódio. Elas poderiam ser entendidas por qualquer um, desde que encenadas e traduzidas para o português cotidiano.
Mais do que isso, simplicidade é sanidade. Ela pode ser vista em grandes professores e profissionais que se esforçam para explicar o que fazem em termos do cotidiano, em aparelhos que parecem “adivinhar” o que se espera deles, em produtos de design que parecem invisíveis quando não necessários, em obras-primas de artes plásticas e dança.
Culturas orientais sabem disso faz tempo, tanto que cultuam a simplicidade como valor em suas religiôes, formas de meditação, artes marciais, apresentação de pratos de comida, decoração e arquitetura de casas, cultivo de jardins. O resultado é tão contundente que, mesmo sem estar familiarizado, compartilhar ou entender o que se passa por ali, não há como negar sua beleza.
Hoje há quem se oponha à tecnologia ou sinta falta dos “anos dourados”. Me arrisco a dizer que em um mundo barulhento e desorientado, a nostalgia não é solução. Já a simplicidade no design de objetos, produtos e serviços é um possível caminho para a harmonia do homem consigo mesmo, com as inovações tecnológicas e com o planeta.
A atitude em busca da simplicidade se preocupa em racionalizar processos, resolver problemas, agregar e organizar funções, iIntegrá-las e priorizá-las. Ao fazer isso, ajuda seus usuários a se organizar e aumentar sua eficiência. À medida que poupa o recurso mais precioso e escasso deles: tempo.
Ao remover o que é óbvio enquanto evidencia o que é relevante, a simplicidade transmite segurança e torna seu portador digno de confiança. É interessante pensar que, quanto mais botões um aparelho ou um serviço tiver, mais desconfiança ele tende a levantar. Quem mostra muito normalmente é porque tem algo a esconder.
É isso o que eu acho que a turma da Bauhaus quis dizer com “menos é mais”.

NADA MAIS ABSTRATO QUE DINHEIRO

JUNHO DE 2008 – REVISTA WEBDESIGN Nº 54

A forma mais fácil de ver um trabalho valorizado é tornar clara sua importância.
Pouco importa o momento em que está na carreira, o designer sempre enfrentará um corpo-a-corpo com uma das forças mais angustiantes de seu trabalho: o orçamento. Isso não significa apenas que ele gaste demais ou compre o que não precise (todos sofremos desse mal, pouco importa a profissão) mas que enfrente uma dificuldade enorme em cobrar por seus serviços. E mesmo quando finalmente consegue chegar a uma fórmula para calcular o valor das peças que cria, a resistência que enfrenta em seu cliente costuma ser gigantesca: não importa o valor, ele sempre será considerado caro demais.
A dificuldade em se estabelecer um orçamento é compartilhada com arquitetos, músicos, cenógrafos, artistas plásticos, atores e profissionais das áreas chamadas de “criativas” em geral. O produto que entregam não pode ser medido em gramas, centímetros ou litros. Nem mesmo em horas: certas idéias geniais são criadas em segundos enquanto outras podem demorar uma eternidade. Isso sem contar que o processo ainda pode ser sabotado por bloqueios, variações de humor ou outras greves das fontes produtoras.
O grande problemas que as peças de valor intangível enfrentam é que elas são… bem, intangíveis. O termo vem do latim e quer dizer “aquilo que não pode ser tocado” mas que não é, por isso, menos importante. Música, por exemplo, é completamente inútil do ponto de vista racional, mas viver sem ela é como viver sem perfume, beleza, alegria ou cor: um baita desconforto. Esse tipo de grandeza sensorial, que não se comunica através de símbolos mensuráveis, mas se expressa através de sentimentos, foi associado a experiências místicas em muitas culturas. Em um mundo que transferiu o mistério da transcendência para a máquina e os processos digitais, ela é o máximo da grandeza “virtual”.
Essas forças imateriais da percepção parecem mágicas por causa de uma espécie de fundamentalismo do pensamento ocidental. Ao levar ao pé da letra algumas das idéias de Platão amplificadas pelas três grandes religiões, o homem criou uma falsa oposição entre o “abstrato” e o “concreto”, como se a idéia do que é uma maçã pudesse ser separada do fruto, ou como se o amor pudesse existir sem a pessoa amada. Em uma velha piada, um filho pergunta ao pai o que significa “abstrato”. O pai responde que é aquilo que não pode ser tocado. O filho, então, pergunta: “como Deus ou como um espinheiro?”
Na verdade as duas noções são igualmente abstratas e dependem da relação que se estabelece com elas. Uma maçã, como um layout ou um ser humano, sempre será parecida com outros elementos da sua mesma classe e, ao mesmo tempo, completamente diferente de seus companheiros. Como uma maçã não pode ser definida em termos absolutos, aceita-se que uma determinada categoria, medida em valores absolutos de peso, tamanho, grau de amadurecimento e procedência seja “correta” – e se despreza o resto.
Em grandezas intangíveis não é assim tão fácil. Não existe o layout ou a cor ou a música corretas porque cada pessoa reage a estímulos de forma diferente. Ao montar um projeto de comunicação visual o designer precisa se basear em estimativas e testar combinações para conseguir a resposta mais adequada. Como tons em uma música ou temperos em uma comida, essas combinações não são fáceis nem exatas porque cada novo ingrediente interage com todos os demais e interfere no resultado final.
Designers criativos costumam ser curiosos e apresentar interesse por quase todas as outras áreas de conhecimento. Eles só não se interessam por aquelas que lidam com valores quantificáveis, como Engenharia e Economia. Pelo contrário, parece haver um desprezo mútuo entre os usuários de HP e os de Macintosh, no melhor estilo cigarras vs. formigas. É uma pena.
As áreas de arte e finanças não são opostas, mas complementares. Você pode até ter uma grande idéia usando apenas uma dessas formas de conhecimento, mas vai ser muito mais eficiente se usar as duas – e elas sempre estarão à disposição.
Por isso, ao apresentar uma proposta de design, use termos financeiros. Os objetivos foram bem definidos? Pois bata o pé até que o sejam, ninguém constrói uma estrada sem saber aonde ela vai dar. Seu projeto vai aumentar o tempo de uso? Diminuir o número de páginas? Tornar as opções mais claras? Estimular o consumo? Aumentar a lucratividade? Reduzir custos de suporte? Reduzir tempo de programação? Tornar o usuário mais satisfeito? Pois então diga isso claramente. Se possível, quantifique, exemplifique, demonstre.
Não faça aquele sujeito que tem uma baixa capacidade de abstração estética “supor” coisas. Nada é pressuposto.
E tudo tem seu preço. Se possível, divida o (re)design em partes e tente classificá-las em ordem de importância e preço. Algo que dê trabalho, custe caro e seja irrelevante deve ser evitado. E o contrário deve ser priorizado. Ao se comportar dessa forma, o designer mostra que é um especialista em termos que o seu cliente é capaz de entender. Melhor: em termos que tornam difícil combater ou rejeitar. Para o seu cliente, gosto se discute, números não. Você pode mostrar o contrário – e, no processo, chegar a uma negociação saudável em que ambas as partes ficarão satisfeitas.
Por mais que os artistas ou os técnicos tentem enganá-lo, saiba que nenhuma área funciona sozinha. Equilibrá-las é o que cria algo novo e funcional, bonito e prático.
Esse é o maior desafio da carreira de qualquer profissional.