NADA MAIS ABSTRATO QUE DINHEIRO

JUNHO DE 2008 – REVISTA WEBDESIGN Nº 54

A forma mais fácil de ver um trabalho valorizado é tornar clara sua importância.
Pouco importa o momento em que está na carreira, o designer sempre enfrentará um corpo-a-corpo com uma das forças mais angustiantes de seu trabalho: o orçamento. Isso não significa apenas que ele gaste demais ou compre o que não precise (todos sofremos desse mal, pouco importa a profissão) mas que enfrente uma dificuldade enorme em cobrar por seus serviços. E mesmo quando finalmente consegue chegar a uma fórmula para calcular o valor das peças que cria, a resistência que enfrenta em seu cliente costuma ser gigantesca: não importa o valor, ele sempre será considerado caro demais.
A dificuldade em se estabelecer um orçamento é compartilhada com arquitetos, músicos, cenógrafos, artistas plásticos, atores e profissionais das áreas chamadas de “criativas” em geral. O produto que entregam não pode ser medido em gramas, centímetros ou litros. Nem mesmo em horas: certas idéias geniais são criadas em segundos enquanto outras podem demorar uma eternidade. Isso sem contar que o processo ainda pode ser sabotado por bloqueios, variações de humor ou outras greves das fontes produtoras.
O grande problemas que as peças de valor intangível enfrentam é que elas são… bem, intangíveis. O termo vem do latim e quer dizer “aquilo que não pode ser tocado” mas que não é, por isso, menos importante. Música, por exemplo, é completamente inútil do ponto de vista racional, mas viver sem ela é como viver sem perfume, beleza, alegria ou cor: um baita desconforto. Esse tipo de grandeza sensorial, que não se comunica através de símbolos mensuráveis, mas se expressa através de sentimentos, foi associado a experiências místicas em muitas culturas. Em um mundo que transferiu o mistério da transcendência para a máquina e os processos digitais, ela é o máximo da grandeza “virtual”.
Essas forças imateriais da percepção parecem mágicas por causa de uma espécie de fundamentalismo do pensamento ocidental. Ao levar ao pé da letra algumas das idéias de Platão amplificadas pelas três grandes religiões, o homem criou uma falsa oposição entre o “abstrato” e o “concreto”, como se a idéia do que é uma maçã pudesse ser separada do fruto, ou como se o amor pudesse existir sem a pessoa amada. Em uma velha piada, um filho pergunta ao pai o que significa “abstrato”. O pai responde que é aquilo que não pode ser tocado. O filho, então, pergunta: “como Deus ou como um espinheiro?”
Na verdade as duas noções são igualmente abstratas e dependem da relação que se estabelece com elas. Uma maçã, como um layout ou um ser humano, sempre será parecida com outros elementos da sua mesma classe e, ao mesmo tempo, completamente diferente de seus companheiros. Como uma maçã não pode ser definida em termos absolutos, aceita-se que uma determinada categoria, medida em valores absolutos de peso, tamanho, grau de amadurecimento e procedência seja “correta” – e se despreza o resto.
Em grandezas intangíveis não é assim tão fácil. Não existe o layout ou a cor ou a música corretas porque cada pessoa reage a estímulos de forma diferente. Ao montar um projeto de comunicação visual o designer precisa se basear em estimativas e testar combinações para conseguir a resposta mais adequada. Como tons em uma música ou temperos em uma comida, essas combinações não são fáceis nem exatas porque cada novo ingrediente interage com todos os demais e interfere no resultado final.
Designers criativos costumam ser curiosos e apresentar interesse por quase todas as outras áreas de conhecimento. Eles só não se interessam por aquelas que lidam com valores quantificáveis, como Engenharia e Economia. Pelo contrário, parece haver um desprezo mútuo entre os usuários de HP e os de Macintosh, no melhor estilo cigarras vs. formigas. É uma pena.
As áreas de arte e finanças não são opostas, mas complementares. Você pode até ter uma grande idéia usando apenas uma dessas formas de conhecimento, mas vai ser muito mais eficiente se usar as duas – e elas sempre estarão à disposição.
Por isso, ao apresentar uma proposta de design, use termos financeiros. Os objetivos foram bem definidos? Pois bata o pé até que o sejam, ninguém constrói uma estrada sem saber aonde ela vai dar. Seu projeto vai aumentar o tempo de uso? Diminuir o número de páginas? Tornar as opções mais claras? Estimular o consumo? Aumentar a lucratividade? Reduzir custos de suporte? Reduzir tempo de programação? Tornar o usuário mais satisfeito? Pois então diga isso claramente. Se possível, quantifique, exemplifique, demonstre.
Não faça aquele sujeito que tem uma baixa capacidade de abstração estética “supor” coisas. Nada é pressuposto.
E tudo tem seu preço. Se possível, divida o (re)design em partes e tente classificá-las em ordem de importância e preço. Algo que dê trabalho, custe caro e seja irrelevante deve ser evitado. E o contrário deve ser priorizado. Ao se comportar dessa forma, o designer mostra que é um especialista em termos que o seu cliente é capaz de entender. Melhor: em termos que tornam difícil combater ou rejeitar. Para o seu cliente, gosto se discute, números não. Você pode mostrar o contrário – e, no processo, chegar a uma negociação saudável em que ambas as partes ficarão satisfeitas.
Por mais que os artistas ou os técnicos tentem enganá-lo, saiba que nenhuma área funciona sozinha. Equilibrá-las é o que cria algo novo e funcional, bonito e prático.
Esse é o maior desafio da carreira de qualquer profissional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário